Paulo Araújo

Paulo Araújo

Motociclista, jornalista e comentador desportivo

OPINIÃO

Aonde vai isto parar?

"Estamos desiludidos por ver a desigualdade com que as penalidades são aplicadas!"

Então agora o Fábio Quartararo foi castigado por uma tentativa de ultrapassagem que correu mal

andardemoto.pt @ 30-6-2022 12:01:19 - Paulo Araújo

Pensava eu, com a ingenuidade natural de quem segue os Grandes Prémios só há 39 anos, que ultrapassar era o que um piloto de competição tinha que fazer. Agressivamente. Constantemente. A cada oportunidade e às vezes, criando as oportunidades. 

Especialmente um piloto de fábrica Campeão em título a lutar à frente do pelotão para defender o seu campeonato.

Pensei que fosse exatamente o que se espera, a cada curva de cada volta, sendo isso que anima as corridas e as tornam no mais empolgante desporto mundial, e sendo por isso que um piloto de topo ganha normalmente por mês mais do que um trabalhador a vida inteira.

Mais, que, de facto, se não o fizer, arrisca-se a ser despedido, ou pelo menos a não ver o seu contrato renovado nas mesmas condições.

Veja-se os recentes casos de Petrucci, Dovizioso e Miller – todos dispensados da Ducati apesar de ganharem corridas, mas sem chegarem ao almejado título.

Aparentemente não, mas a minha indignação podia ser injustificada, tendenciosa, ou apenas uma opinião de um fã isolado, por isso, deixem-me apoiá-la com vários comentários doutros mais diretamente envolvidos que tem vindo à luz.


Desde logo, um dos mais importantes, do Diretor da Yamaha Lin Jarvis, que emitiu em nome da casa de Ywata um comunicado oficial onde disse, entre outras coisas:

Estamos desiludidos por ver a desigualdade com que as penalidades são aplicadas pelo painel de Comissários de MotoGP e a inconsistência com que as penalidades tem sido aplicadas durante a época de 2022 danifica a justiça no MotoGP e a confiança na jurisdição dos comissários.”

“Houve pelo menos três incidentes de corrida graves, que resultaram em lesões ou pilotos abandonarem uma corrida que foram deixados sem qualquer punição”

Basta lembrar que, recentemente em Barcelona, Takaaki Nakagami mandou ao chão Bagnaia e Rins, que partiu um pulso, e o japonês não foi castigado por aquilo que foi, essa sim, uma manobra descoordenada e escusada na primeira curva de uma corrida.

Por contraste, a manobra de Quartararo foi uma ultrapassagem calculada, talvez otimista nessa fase incipiente da corrida e numa curva para o lado esquerdo que apanha menos temperatura no pneu, mas foi isso mesmo, um incidente de corrida.

O nosso próprio Miguel Oliveira, num passado não muito distante, foi vítima de pelo menos duas situações semelhantes, uma do Johann Zarco e outra de Pol Espargaró, ambas deixadas sem qualquer punição, embora tivessem ditado, em cada uma dessas ocasiões, o fim da corrida do Miguel, agravadas por virem do seu próprio colega de equipa.

A Yamaha tentou apelar, só para descobrir que as decisões dos comissários não estão sujeitas a discussão ou apelo, nem sequer do Tribunal Arbitral do Desporto, que seria o passo seguinte.

Outro protesto, na forma de um comentário algo sarcástico, veio do próprio Quartararo, que disse “agora não podemos tentar uma ultrapassagem porque pode ser considerada ambiciosa demais!”

Outro comentário, do prestigiadíssimo ex-piloto de 500, coach e organizador Jeremy McWilliams, diz que o erro do Fábio foi “apenas isso e não merece uma penalidade de volta longa”.

Porventura o mais relevante de todos, por ter vindo da suposta vítima Aleix Espargaró, quando Quartararo foi à sua boxe desculpar-se:

“É que se eu te tivesse visto, tinha levantado a moto, mas não te vi, pá!”

No fundo, é isto que se chama um “Racing incident”.

Ainda por cima, a Comissão de Grande Prémio que arbitra estas coisas é presidida por Freddie Spencer, ele próprio autor de algumas manobras semelhantes a caminho dos seus três títulos mundiais.

É fácil olharmos para trás, até nos anos recentes, e lembrar-nos de ocasiões em que não só corridas, mas inteiros campeonatos, foram decididos por manobras do género. Doohan x Crivillé, Biaggi x Capirossi, Gibernau x Rossi, Márquez x Lorenzo.

Foram, aliás, essas manobras, que marcaram como clássicas de MotoGP as corridas em que aconteceram.

Não me lembro de nenhuma corrida ser referida como um clássico por ter sido uma procissão do princípio ao fim, sem ter havido tentativas de ultrapassagem!

A continuar assim, pode ser que num futuro já não muito distante, esta intransigência dos comissários, mal orientada em nome da segurança, venha transformar as corridas de Grande Prémio numa procissão estilo Fórmula 1, em que um piloto que tente ultrapassar ou destacar-se é imediatamente punido e obrigado a conformar-se a andar às voltas no carrossel.

Se isso acontecer, vai ser um dia triste para o pináculo do desporto motorizado e espero já não estar cá para o testemunhar!


andardemoto.pt @ 30-6-2022 12:01:19 - Paulo Araújo

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