Paulo Araújo

Paulo Araújo

Motociclista, jornalista e comentador desportivo

OPINIÃO

A Norton Commando

História do modelo mítico que regressa agora, completamente modernizado

andardemoto.pt @ 9-5-2018 23:00:17 - Paulo Araújo

Norton Commando 961 SF1

Norton Commando 961 SF1

A Norton Commando original foi apresentada em 1967 no Salão de Earl’s Court, em Londres, com grande pompa e estava destinada a tornar-se uma das clássicas desportivas inglesas intemporais. Mas por detrás dos bastidores, uma luta titânica e desesperada para desenvolver o modelo a tempo, com o mínimo de custos, tinha oposto designers, engenheiros, e a própria administração da Associated Motorcycles que detinha a Norton.

O facto de a moto ter acabado por sair bastante boa, conseguindo um estatuto lendário em tão pouco tempo, foi quase um milagre. 

Milagre esse conseguido com a colaboração de homens como Stefan G. Bauer (que veio da Rolls Royce), Bob Trigg (antes na Austin) e Bernard Hooper, além de John Favill (da Villiers, que mais tarde trabalhou para a  Harley-Davidson nos motores Evo). 

Como não havia tempo para desenvolver um motor novo a partir do zero, (a Norton já tinha tido problemas com um projecto de motor malogrado denominado P10) tratava-se de adaptar um existente, no caso a unidade de 745cc da Atlas, conhecida pelas suas vibrações excessivas, pois o motor vinha, originalmente, do Modelo 7 de 497cc, desenhado por Bert Hopwood anos antes.


A Norton Commando de 1974 com um só disco

A Norton Commando de 1974 com um só disco

Se nas Dominator 650 este tinha aguentado à justa o aumento de cilindrada, em formato de 750cc o propulsor estava claramente subdimensionado, perdendo fiabilidade.Relativamente ao quadro, a Norton dispunha do famoso e bem sucedido Featherbed, mas Stefan Bauer não aprovava do seu uso, justamente porque a conhecida rigidez do quadro feito em tubo Reynolds tenderia a ampliar as vibrações do motor em vez de as abafar. 

Assim, Bauer dedicou-se a desenhar uma nova ciclística, baseada num simples princípio: o quadro tinha por elemento central um tubo superior de grande diâmetro, onde tudo o resto ia ter, e o grupo propulsor, isto é, motor, caixa e transmissão à roda traseira, seriam montados rigidamente em relação uns aos outros, mas de forma flexível no quadro, graças à adopção de um trio de sinoblocos em cima, à frente e atrás, que teriam por missão absorver as vibrações do motor.

As forças torsionais seriam neutralizadas pelo tubo principal, de 2,25 polegadas de diâmetro, mas a afinação do sistema Isolastic era absolutamente crítica: aperto demais, e toda a vibração seria passada ao quadro. Aperto a menos, e o movimento do motor criaria forças passíveis de afectar gravemente o comportamento da moto, tornando-a mesmo imprevisível. 

De repente, o velho motor das Atlas, inclinado para a frente para lhe dar um ar mais “racing”, era um motor capaz de aguentar as coisas até que um motor verdadeiramente moderno (leia-se sem distribuição por varetas) pudesse ser desenvolvido para competir com as produções japonesas, principalmente, e até certo ponto também, com as BMW.



A Norton Interstate de 1977 já trazia discos

A Norton Interstate de 1977 já trazia discos

Com a fusão entre a Norton e a Villiers a produzir a Norton-Villiers, a primeira versão de 750cc seria produzia na fábrica de Woolwich, no sul de Londres, até 1969, tendo a produção de quadros mudado para Andover, no condado de Hampshire, e o fabrico de motores para Wolverhampton, no Norte industrial, onde permaneceria até que as últimas Commando rolaram das linhas de produção em finais de 1977.

O início do modelo foi auspicioso, com sucesso imediato em competição e muitos elogios da imprensa. De certa forma, a Commando foi a primeira verdadeira Superbike, antecedendo a CB750 Four da Honda em quase um ano.

Porém, por alturas de 1972, alguém teve a má ideia de lançar os motores Combat. Com cames mais agressivas, cabeças polidas de alta compressão e cambota reforçada, o motor devia ter sido mais robusto, mas em vez disso, revelou-se o contrário. 

Uma série de falhanços dos rolamentos principais, por vezes com menos de 8.000 Km rodados, vieram juntar-se aos problemas “normais” das Commando, como o desgaste prematuro das cames, válvulas partidas, consumo excessivo de óleo, cambotas frágeis e problemas de ignição.



Motor da Norton Commando

Motor da Norton Commando

A solução encontrada foi adoptar rolamentos de agulha Superblend na cambota e reduzir a taxa de compressão, entre outras modificações menores. No entanto, o mal estava feito e as Commando tinham agora um défice de imagem, que a fábrica tentou corrigir. 

O travão de disco à frente apareceu em 1971 e o de trás só mais tarde, em 1975. O modelo de 750 cc foi construído até Abril de 1973, sendo substituído pelo modelo 850 – na verdade, com 829 cc. Embora estes tivessem potências semelhantes, o motor maior era sujeito a menos esforços e, teoricamente por isso, mais fiável.

Em 1975, com a Mk3, as mudanças passaram para o lado esquerdo para normalizar e foi instalado um motor de arranque que, infelizmente, não funcionava por estar incorrectamente dimensionado. Mesmo com todos estes problemas, a Commando foi votada Moto do Ano em Inglaterra, 5 anos consecutivos, entre 1968 e 1972, e não restam dúvidas que é um modelo cheio de carácter, com um encanto muito especial...

A moderna Norton mudou-se para a sua localização actual, em Donington Park, em 2008 e em 2009 o seu presidente Stuart Garner estabeleceu um recorde mundial de velocidade para uma rotativa (atingindo os 277 Km/h cronometrados durante uma milha). A primeira das novas Commando 961SE foi entregue em 2010 e o seu sucesso marcou o regresso da Norton à produção industrial. 

Em 2012, a marca regressou à Ilha de Man com o modelo SG1, repetindo a participação em 2013 e 2014.


Quanto a 2018, em Fevereiro, duas lendas da competição foram confirmadas como os pilotos que alinharão, já daqui a dias, nas corridas de Superbike e Senior Tourist Trophy deste ano: John MCGuinness, com 23 vitórias no Tourist Trophy, e o Australiano Josh Brookes.

Parece no entanto que a recuperação de uma perna partida de Guinness vai demorar mais que o previsto. O piloto de 46 anos anunciou num “tweet” recente que houve um atraso na convalescença, mas alguns dizem que voltou a fracturar a perna e a sua participação está comprometida. Já Brookes vai participar com o Nº 11.

Entretanto, o modelo de estrada, a 961 SF1, que repesca esplendidamente o espírito da moto original mas com equipamento actual em termos de travões, suspensões e motor, começa a vender-se bem e chega agora a Portugal, tendo já estado em exposição no recente Salão Motor Clássico 2018 na FIL, estando a ser importada pela empresa Zemarks.

Um teste está agendado para breve no andardemoto.pt, Fique ligado




andardemoto.pt @ 9-5-2018 23:00:17 - Paulo Araújo

Outros artigos de Paulo Araújo:

Mundial SBK - A evolução da Yamaha YZF-R1

Do avião à moto

Convivendo com Graziano Rossi

O jogo do empresta

Curiosidades – Os homens da Força Aérea Sueca

Histórias do Mundial - Santiago Herrero: Campeão sem coroa

Curiosidades - Evinrude e os Davidson

MotoGP - Previsão de uma época histórica

Mundiais de Velocidade - A YZR500, ou OW – A 500 de GP da Yamaha

Mundiais de Velocidade - A Honda NS/NSR500

Foi-se Tony Scott

Mundiais de Velocidade – A Suzuki RG500 - Parte II

Mundiais de Velocidade – A Suzuki RG500 - Parte I

Mundiais Velocidade - A evolução

Oportunidades perdidas

Moto GP – Como vai ser 2018? – 3ª Parte – A Suzuki e a KTM

Moto GP – Como vai ser 2018? – 1ª Parte – A Honda e a Yamaha

Os famosos e as motos – Uma inevitável atração?

Corridas de moto no Natal?

Histórias do Mundial – Gary Nixon, o campeão que nunca chegou a ser...

Histórias do Mundial – As poderosas 500

Histórias do Mundial - Degner, Kaaden e a MZ

Pneus de MotoGP

Retrospectiva – MotoGP 2017

Grande Prémio de Macau de 1986 - O primeiro com portugueses - 1ª parte

Mundial Superbike – Retrospectiva 2017

Mundial Moto 3- Retrospectiva

A Moriwaki – Um prodígio à Japonesa

Quando os Grandes Prémios serviam para sonhar - A ELF500

Yoshimura, o mago dos motores

Harris YZR500 - A aventura no Mundial

O que vem a seguir em Moto2?

Técnica MotoGP - “Chatter” e como o evitar

Porquê raspar o joelho?

GP San Marino Moto GP – A ausência de Rossi

A Ducati e Doug Polen

Curiosidades do Mundial de outrora...

Mundial de Superbikes - A corrida no México

O que é o Northwest 200?

As gloriosas 350

O Mundial de velocidade, como era há 30 anos...

Recordando as 8 Horas de Suzuka

As corridas de Clube em Inglaterra

Recordando a magia de Spa- Francorchamps

Ainda as Superbike...

Como resolver a crise nas SBK?

McLaughlin e a criação das Superbike

Karma, ou o ciclo da vida…

Mundial MotoGP - Itália - Chega o novo Michelin

É tempo de Ilha de Man de novo

Regresso às origens nas SBK

Nicky Hayden, o adeus

As origens da KTM de Miguel Oliveira

Recordando momentos...

Jerez de la Frontera: Destino obrigatório

Mundial de Superbikes chega a Assen

Porque correm os Ingleses?

Quando menos era mais...

Parentescos - Porque há cada vez mais famílias no MotoGP?

A propósito de Motoshows por esse mundo fora...

Moto2 revela equilíbrio antes da prova inicial em Losail, no Qatar

Novos pneus Michelin em foco nos treinos MotoGP

O Artesão dos Escapes

Adeus, Sir John

O adeus às asas traz mais problemas do que os que resolve?

O Regresso das SBK


Clique aqui para ver mais sobre: Opiniões