Paulo Araújo
Motociclista, jornalista e comentador desportivo
OPINIÃO
A Norton Commando
História do modelo mítico que regressa agora, completamente modernizado
andardemoto.pt @ 9-5-2018 23:00:17 - Paulo Araújo
A Norton Commando original foi apresentada em 1967 no Salão de Earl’s Court, em Londres, com grande pompa e estava destinada a tornar-se uma das clássicas desportivas inglesas intemporais. Mas por detrás dos bastidores, uma luta titânica e desesperada para desenvolver o modelo a tempo, com o mínimo de custos, tinha oposto designers, engenheiros, e a própria administração da Associated Motorcycles que detinha a Norton.
O facto de a moto ter acabado por sair bastante boa, conseguindo um estatuto lendário em tão pouco tempo, foi quase um milagre.
Milagre esse conseguido com a colaboração de homens como Stefan G. Bauer (que veio da Rolls Royce), Bob Trigg (antes na Austin) e Bernard Hooper, além de John Favill (da Villiers, que mais tarde trabalhou para a Harley-Davidson nos motores Evo).
Como não havia tempo para desenvolver um motor novo a partir do zero, (a
Norton já tinha tido problemas com um projecto de motor malogrado denominado P10)
tratava-se de adaptar um existente, no caso a unidade de 745cc da Atlas,
conhecida pelas suas vibrações excessivas, pois o motor vinha, originalmente,
do Modelo 7 de 497cc, desenhado por Bert Hopwood anos antes.
Se nas Dominator 650 este tinha aguentado à justa o aumento de cilindrada, em formato de 750cc o propulsor estava claramente subdimensionado, perdendo fiabilidade.Relativamente ao quadro, a Norton dispunha do famoso e bem sucedido Featherbed, mas Stefan Bauer não aprovava do seu uso, justamente porque a conhecida rigidez do quadro feito em tubo Reynolds tenderia a ampliar as vibrações do motor em vez de as abafar.
Assim, Bauer dedicou-se a desenhar uma nova ciclística, baseada num simples princípio: o quadro tinha por elemento central um tubo superior de grande diâmetro, onde tudo o resto ia ter, e o grupo propulsor, isto é, motor, caixa e transmissão à roda traseira, seriam montados rigidamente em relação uns aos outros, mas de forma flexível no quadro, graças à adopção de um trio de sinoblocos em cima, à frente e atrás, que teriam por missão absorver as vibrações do motor.
As forças torsionais seriam neutralizadas pelo tubo principal, de 2,25 polegadas de diâmetro, mas a afinação do sistema Isolastic era absolutamente crítica: aperto demais, e toda a vibração seria passada ao quadro. Aperto a menos, e o movimento do motor criaria forças passíveis de afectar gravemente o comportamento da moto, tornando-a mesmo imprevisível.
De repente, o velho motor das Atlas, inclinado para a frente para lhe dar um ar mais “racing”, era um motor capaz de aguentar as coisas até que um motor verdadeiramente moderno (leia-se sem distribuição por varetas) pudesse ser desenvolvido para competir com as produções japonesas, principalmente, e até certo ponto também, com as BMW.
Com a fusão entre a
Norton e a Villiers a produzir a Norton-Villiers, a primeira versão de 750cc
seria produzia na fábrica de Woolwich, no sul de Londres, até 1969, tendo a
produção de quadros mudado para Andover, no condado de Hampshire, e o
fabrico de motores para Wolverhampton, no Norte industrial, onde permaneceria
até que as últimas Commando rolaram das linhas de produção em finais de 1977.
O
início do modelo foi auspicioso, com sucesso imediato em competição e muitos
elogios da imprensa. De certa forma, a Commando foi a primeira verdadeira Superbike,
antecedendo a CB750 Four da Honda em quase um ano.
Porém, por alturas de 1972, alguém teve a má ideia de lançar os motores Combat. Com cames mais agressivas, cabeças polidas de alta compressão e cambota reforçada, o motor devia ter sido mais robusto, mas em vez disso, revelou-se o contrário.
Uma série de falhanços dos rolamentos principais, por vezes com menos de 8.000 Km rodados, vieram juntar-se aos problemas “normais” das Commando, como o desgaste prematuro das cames, válvulas partidas, consumo excessivo de óleo, cambotas frágeis e problemas de ignição.
A solução encontrada foi adoptar rolamentos de agulha Superblend na cambota e reduzir a taxa de compressão, entre outras modificações menores. No entanto, o mal estava feito e as Commando tinham agora um défice de imagem, que a fábrica tentou corrigir.
O travão de disco à frente apareceu em 1971 e o de trás só mais tarde, em 1975. O modelo de 750 cc foi construído até Abril de 1973, sendo substituído pelo modelo 850 – na verdade, com 829 cc. Embora estes tivessem potências semelhantes, o motor maior era sujeito a menos esforços e, teoricamente por isso, mais fiável.
Em 1975, com a Mk3, as mudanças passaram para o lado esquerdo para normalizar e foi instalado um motor de arranque que, infelizmente, não funcionava por estar incorrectamente dimensionado. Mesmo com todos estes problemas, a Commando foi votada Moto do Ano em Inglaterra, 5 anos consecutivos, entre 1968 e 1972, e não restam dúvidas que é um modelo cheio de carácter, com um encanto muito especial...
A moderna Norton mudou-se para a sua localização actual, em Donington Park, em 2008 e em 2009 o seu presidente Stuart Garner estabeleceu um recorde mundial de velocidade para uma rotativa (atingindo os 277 Km/h cronometrados durante uma milha). A primeira das novas Commando 961SE foi entregue em 2010 e o seu sucesso marcou o regresso da Norton à produção industrial.
Em 2012, a marca regressou à Ilha de Man com o modelo SG1, repetindo a participação em 2013 e 2014.Quanto a 2018, em Fevereiro, duas lendas da competição foram confirmadas como os pilotos que alinharão, já daqui a dias, nas corridas de Superbike e Senior Tourist Trophy deste ano: John MCGuinness,
com 23 vitórias no Tourist Trophy, e o Australiano Josh Brookes.
Parece no entanto que a
recuperação de uma perna partida de Guinness vai demorar mais que o
previsto. O piloto de 46 anos anunciou num “tweet” recente que houve um atraso na
convalescença, mas alguns dizem que voltou a fracturar a perna e a sua
participação está comprometida. Já Brookes vai participar com o Nº 11.
Entretanto, o modelo de estrada, a 961 SF1, que repesca esplendidamente
o espírito da moto original mas com equipamento actual em termos de travões,
suspensões e motor, começa a vender-se bem e chega agora a Portugal, tendo já
estado em exposição no recente Salão Motor Clássico 2018 na FIL, estando a ser importada pela empresa Zemarks.
Um teste está agendado para breve no andardemoto.pt, Fique ligado
andardemoto.pt @ 9-5-2018 23:00:17 - Paulo Araújo
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