Paulo Araújo
Motociclista, jornalista e comentador desportivo
OPINIÃO
Miguel Oliveira - De herói a vilão
A opinião pública é volátil
Para o melhor ou para o pior, Miguel Oliveira instalou-se no
coração dos portugueses, mas depois de um fim de época difícil, já há quem salte
a conclusões precipitadas e diga que está acabado...
andardemoto.pt @ 30-12-2021 21:27:24 - Paulo Araújo
Parece incrível como a opinião pública, frequentemente só parcialmente informada, é volátil nas suas convicções e nos seus gostos.
Há muito que os políticos, perfeitamente cientes desse facto, o utilizam para manipular a populaça, e é um fenómeno que temos que analisar cuidadosamente para não nos deixamos arrastar por ele.
Há muitos anos atrás, era uma constatação estranha para nós, portugueses, como os espanhóis, que já na altura detinham grande parte dos pilotos rápidos do mundo, eram rápidos a colocá-los num pedestal, rodeados de adoração, para a seguir os abater impiedosamente ao mínimo sinal de falhanço ou baixa de forma.
Não compreendíamos como um país tanto se unia por trás dos seus heróis para os apoiar e idolatrar, como a seguir, impiedosamente, os criticava ou ridicularizava.
Não havia um equivalente em Portugal, pela simples razão de que nunca tinha havido um português em destaque a nível internacional.
Agora, o mesmo está a acontecer com o nosso Miguel Oliveira: das vozes que já o proclamavam campeão mundial, passámos aos clamores que está acabado ou já não anda nada, e mesmo que está prestes a ser despedido pela KTM, ou de ser rapidamente ultrapassado pelos rookies recém-chegados das categorias inferiores.
Como sempre, estas opiniões extremas, algo histéricas, baseiam-se em parte na reacção a notícias falsas que rapidamente se espalham, mas fundamentalmente na incapacidade das pessoas de interpretar o que se passa verdadeiramente no seio de uma equipa a nível de MotoGP...
É perfeitamente natural que não sejam capazes de o fazer, se nunca estiveram inseridos nesse ambiente, mas então porque é que se acham autorizados a comentar?
Seria um pouco como escrever um guia turístico dos Estados Unidos sem nunca ter saído de Portugal! E no entanto não há falta de autoproclamados especialistas nas redes sociais a “deitar abaixo” o Miguel, que é, pelo contrário, grande parte da razão da subida da RC16 da KTM, desde o ano passado, de “também lá andou” a moto vencedora.
Felizmente, os factos, analisados com alguma atenção, contam uma história muito diferente da agora ventilada pelos velhos do Restelo: Já em 2020, sem ser o primeiro a vencer com a KTM, Oliveira foi o único a vencer duas vezes. Ainda por cima, numa equipa satélite, que, mau grado ter recebido no seu seio alguns dos melhores pilotos do mundo - Dovizioso, Crutchlow, Zarco – nunca tinha ganho uma corrida. Até chegar o Miguel.
Claro que, com o final de época anterior abrilhantado pela vitória em Portimão, game, set and match com pole, volta mais rápida e vitória, a fasquia para 2021 estava alta, e quando o que se sucedeu no começo da época foi uma série de resultados algo indiferentes (um 13º e um 15º nas duas no Qatar, seguidos de uma queda e zero pontos em Portimão) logo algumas vozes se levantaram a pôr em causa a capacidade do (ainda) único português na MotoGP.
Porém, a coisa compôs-se com um 11º em Espanha e, depois de outro balde de água fria e zero pontos duma queda em Le Mans, a marca Austríaca encetou um período dourado em que, durante três Grandes Prémios consecutivos, Itália, Catalunha e Alemanha, Miguel foi o piloto que mais pontos marcou, com uma vitória e dois pódios, que projetaram o piloto de Almada para a 7ª posição do Campeonato. Notório era também que, com 5 pilotos já vencedores, ninguém, homem ou marca, se salientava particularmente na liderança e não era descabido que Miguel pudesse aspirar ao título, embora a vantagem de Quartararo por 22 pontos de então pudesse ser já vista como uma premonição do que estava para vir.
Infelizmente, a seguir, a KTM parece ter perdido mesmo o rumo. Mesmo dando todo o crédito merecido à vitória de Binder na Áustria – fruto mais do risco louco de um piloto que tem tudo a ganhar e nada a perder, de permanecer em slicks à chuva – a KTM a partir daí permitiu a Miguel recolher apenas 9 pontos no resto do ano, contra os 91 de Binder, e quando como pano de fundo até o inconsistente Lecuona amealhou 25 na satélite Tech3.
Era inegável e patentemente óbvio que qualquer coisa estava mal com o pacote de Oliveira/KTM/. Mas porquê culpar o piloto? Um piloto não altera de repente o seu leque de habilidades, indo de vencedor a fora dos pontos, sem uma razão externa poderosa. Por vezes, admite-se que essa razão possa ser do foro psicológico, como no recente caso de Maverick Viñales, que perdeu toda a confiança na Yamaha vencedora da primeira corrida do ano, mas depois achou a Aprilia das traseiras do pelotão suficientemente rápida para liderar uma das sessões livres na RS-GP no seu segundo Grande Prémio como empregado da casa de Noale, em Misano.
No caso de Miguel, universalmente reconhecido como um dos piloto mais cerebrais, (alcunha Einstein) que pensa e interioriza cada detalhe da moto, da pista, e das condições, antes de arriscar para lá de uma determinada fasquia, isto não terá sido o caso... antes, as mudanças graduais efetuadas à RC16 para extrair o melhor dos Michelin sempre em evolução e a manter competitiva em final de época, resultaram para o estilo mais feroz de Binder mas foram contraproducentes para a sensação do português na moto - lembrando sempre que a confiança, que vem da sensação na moto, é quase tudo em MotoGP... Marc Márquez faz o que faz porque confia plenamente na sua habilidade de recuperar controlo de uma frente em derrapagem quando outros desistiriam... quando perdeu um bocadinho a confiança este ano vimos o que aconteceu... 3 vitórias sofridas mas apenas 7º no campeonato, o seu pior resultado de uma época completa desde que ascendeu à classe rainha.
Quanto aos rookies promovidos das Moto2, basta comparar o palmarés da classe que deixaram: Remy Gardner (Zero vitórias em Moto3 e 6 vitórias em 6 anos em Moto2) com o do Miguel: 6 vitórias em Moto 3 e o mesmo número de Gardner em Moto 2, mas em metade dos anos.
Quando muito, Raul Fernández, com 8 vitórias este ano, é o talento excepcional! Porém, nenhuma equipa de fábrica aposta num rookie para vencer no primeiro ano, daí a dupla ter sido recrutada para a satélite Tech3 para um ano de aprendizagem... tal como a Ducati fez com Miller e Bagnaia na Pramac e agora é vê-los.
Não, meus amigos, só no seio da KTM sabem exactamente o que se passou ou porque algo não correu bem a dada altura, e a provar isso, está a continuada confiança no português que lhes deu a maioria do palmarés em MotoGP (3 de 5 vitórias e 5 de 7 pódios, descontando os de Espargaró que já não está com a equipa). E se quiserem uma pista, quem acabou despedido foi o manager Mike Leitner!andardemoto.pt @ 30-12-2021 21:27:24 - Paulo Araújo
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