Paulo Araújo

Paulo Araújo

Motociclista, jornalista e comentador desportivo

OPINIÃO

Recordando as 8 Horas de Suzuka

Em 1990, a Yamaha ganhou com Lawson, e Vieira subiu ao pódio

As 8 Horas de Suzuka, cuja 40ª edição se disputa este fim-de-semana, são talvez a mais prestigiosa corrida de motos do mundo.Mais que as Clássicas de 24 Horas de Resistência por envolverem um plantel de luxo verdadeiramente internacional, composto dos melhores pilotos do mundo das várias especialidades da velocidade. Mais que a Ilha de Man ou que as 200 Milhas de Daytona, por serem disputadas no país de origem da esmagadora maioria das motos a competir, nalguns casos a escassos quilómetros das fábricas que as viram nascer.

andardemoto.pt @ 25-7-2017 21:20:50 - Paulo Araújo

A mística de Suzuka deve-se também à habilidade dos japoneses de condensar a magia de uma corrida de 24 Horas num formato menos penoso para equipas e espectadores, a última meia hora da corrida disputada ao lusco-fusco, só para dar aquela sensação de corrida nocturna - daí o formato típico de apenas um farol nas motos concorrentes.

Também, em grande medida, à paixão dos fans japoneses (números de espectadores a orçar os 150.000 são vulgares) que idolatram os pilotos mais conhecidos, assediando-os – respeitosamente - até nas bombas de gasolina em redor do circuito.

A primeira edição das 8 Horas de Suzuka Coca-Cola (Coca-Cola Suzuka Hatchi-Ji) deu-se em Julho de 1978. Os Americanos Mike Baldwin e Wes Cooley ganharam essa 1ª edição numa Suzuki GS1000 Yoshimura.

Entre outros vencedores da mítica prova estão Graeme Crosby (1980), Hervé Moineau (1983), Wayne Gardner (1985, '86, '91 e '92), Dominique Sarron e Alex Vieira (1989), Kevin Magee (1988), Wayne Rainey (1988), Eddie Lawson e Tadahiko Taira (1990), Mick Doohan (1991), Daryl Beattie (1992), Scott Russell (1993), Tadayuki Okada (1995), Noriyuki Haga (1996), Shinichi Itoh (1997, 1998, 2006 e 2011) e Valentino Rossi (2001).


Em 2015, os pilotos de MotoGP, ausentes alguns anos, fizeram um retorno com a vitória de Pol Espargaro e Bradley Smith (Yamaha Factory).

Sem desprestígio inferido aos meus colegas de profissão (a vasta maioria dos quais tenho grande orgulho em chamar de amigos) penso que continuo a ser o único jornalista português que já esteve presente, mais precisamente na edição de 1990, há portanto uns anitos.

Foi uma edição histórica das 8 Horas de Suzuka, pelo menos para nós, pois no ano anterior, o português Alex Vieira tinha ganho a prova, em parceria com Dominique Sarron, e como tal ostentavam o Nº 1 na sua Honda RC30 patrocinada pela Swatch. De facto, nesse ano Vieira conseguiu o feito inédito de ganhar TODAS as clássicas da Resistência, feito ainda hoje sem igual e pouco conhecido.

Mas voltemos às 8 Horas 1990... Já tive ocasião de relatar aqui como, complementando a actividade jornalística com a de “Team Manager” dei os primeiros passos no Mundial de Resistência em 1988 e 1989... Em 1990, acompanhei a tempo inteiro dois pilotos ingleses gémeos, caso único até aos actuais Sam e Alex Lowes.

A Honda RC30 de Andy e Ian Green apareceu em 1990 decorada num esquema desenhado por este vosso criado, de triângulos fluorescentes sobre fundo azul e branco, com a insígnia Green Team, em parte perfeitamente justificável pelo apelido dos pilotos /donos da equipa, mas em parte uma réplica descarada ao Team Green, para consternação da Kawasaki oficial na boxe ao lado.

Organizámos a boxe num formato lógico etiquetando todas as caixas em Francês e Inglês como é norma na resistência. Ainda que a equipa técnica fosse exclusivamente inglesa, com apenas um elemento que falava francês além de mim, isto tinha a vantagem de traduzir imediatamente o nome de qualquer componente em caso de pedido de empréstimo, sendo o francês sem dúvida alguma a língua franca da resistência.

Outro facto pouco conhecido é que a grelha de Suzuka é preenchida, ou suplementada, pelo menos, pela tradição da organização de convidar qualquer equipa que tenha pontuado no Mundial desse ano. Convidar queria dizer inscrição, acomodação e alimentação para 9 pessoas no caso de uma moto trazida do estrangeiro, toda a estadia de quase 7 dias no Japão.

Como o nosso 14º nas 24H de Le Mans desse ano nos qualificava, começou-se a pensar em financiar a viagem. Ora as 8 Horas têm tal prestígio no Japão que não foi difícil encontrar uma empresa de navegação disposta a transportar a RC30, peças e ferramentas. Só faltava pagar as viagens.

Na altura, tive um raro rasgo de génio e produzi 2 T-shirts: uma “Twin Power” para a nossa participação em Suzuka, salientando o facto, muito místico para os japoneses, dos Green serem gémeos. Outra para Tony Scott, o preparador, com um diagrama de motor de uma RC30, das quais guardei algumas para vender no Japão, sedento de tudo com sabor ocidental e coleccionável.



Quanto à corrida, foi um ano atípico, excepto nas muitas equipas bem apetrechadas que não só não acabaram, mas não raro, após meia hora de corrida, já estavam de fora. Foi o caso de Niall MacKenize na GSXR da Lucky Strike ou da Yoshimura GSXR irmã da de Doug Polen, duas das mais espantosas motos de fábrica que já vira então, emanando qualidade artesanal de cada detalhe e verdadeiras antecessoras, 10 anos antes do seu tempo, das MotoGP de hoje. Também a RC30 de Morrison/ Chambers acabou muito atrasada e a Ducati dos Italianos Broccoli e Carachi abandonou, depois destes terem sofrido uma aparatosa queda no sítio onde, anos mais tarde, pereceria Daijiro Katoh.

Os Green também não qualificaram depois de uma queda de Andy ter danificado tanto a moto, que passamos a maioria dos treinos a repará-la. Nem um abaixo assinado que fiz, de que bem gostaria ainda ter a cópia, para todos os pilotos assinarem, lhes valeu...  Mick Doohan, ao assinar, dissera-me:  “se não qualificaram não deviam correr!”- mas assinou mesmo assim.

Tsubouchi-san, antigo piloto ele próprio e representante da FIM à corrida, explicou-me que, com várias equipas de fora (eram 52 a treinar para participarem 48) não podia haver excepções.

A Honda escolheu a ocasião – Suzuka pertence-lhes!- para exibir a nunca antes vista NR750, como moto dos comissários de pista. Não ganhou, desta feita, nem com Vieira/Sarron, nem com a dupla de luxo Doohan/Gardner. Este último, depois de arrancar da pole graças a uma volta espantosa de Doohan, ainda um “rookie”, “ficou sem gasolina” – Honda-speak para um motor partido – a cerca de uma hora do final.

Só restava à também espantosa Yamaha YZF, patrocinada pela Tech 21, de Eddie Lawson/Tadahiko Taira dar à marca de Ywata uma vitória histórica... que eu muito agradeci! É que na celebração, o pessoal da equipa deitou fora os polos que tinham usado na corrida, que nós recolhemos.

Sem que soubéssemos, não se paga visa para entrar no Japão, mas paga-se uma taxa para sair... Como já estávamos “tesos”, o dinheiro da venda dos polos da Tech 21 a fans locais deu, à justa, para a taxa de saída do país...

Muito mais haveria de contar, como o banho às 2 da manhã em escuridão no lago do circuito, aparentemente uma tradição da equipa de Mat Oxley para que fui inocentemente arrastado... fica para outra ocasião!



andardemoto.pt @ 25-7-2017 21:20:50 - Paulo Araújo


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