Paulo Araújo
Motociclista, jornalista e comentador desportivo
OPINIÃO
É tempo de Ilha de Man de novo
O ambiente é único, as corridas são únicas, só pode ser a Ilha de Man...
andardemoto.pt @ 30-5-2017 10:45:53 - Paulo Araújo
O único ser humano autorizado a estar no passeio é um polícia, e até ele procura a protecção relativa de um poste de iluminação. Fora da estrada, porém, a toda a volta as sebes e jardins estão pejadas de gente, novos, velhos, ombro a ombro, empoleirados, expectantes, silenciosos. De repente, o silêncio é quebrado pelo som ao longe de um potente motor de 4 tempos.
A cadência aumenta, o som torna-se num rugido raivoso e, de repente, ela surge no topo da lomba, contorcendo-se nos solavancos da estrada, com a frente a levantar e a traseira a escapar ao mesmo tempo.
Então a moto, se é que se trata de uma moto, passa por nós num ápice, ensurdecedora, acompanhada por uma violenta deslocação de ar.
Um segundo depois, já desapareceu por Bray Hill abaixo, a caminho de Quarterbridge - só uma ínfima parte do que tem ainda que percorrer nos próximos 20 minutos para completar uma volta de mais de 60 Km à Ilha de Man - o mais famoso, e ao mesmo tempo infame, circuito do mundo.
Foi esta a minha primeira experiência das corridas na Ilha de Man. Fascinante de longe e arrebatadora ao perto, onde todos os superlativos são redundantes e as emoções de concorrentes e espectadores falam mais forte.
Nesse fim de semana ainda fui ajudar a Kay a resgatar o seu marido (e meu amigo) Phil Armes, cuja TZ tinha ficado gripada na zona de Kirkmichael, pouco mais que um terço da volta, e aí pude contactar outra realidade do TT.
Os pilotos aqui são heróis: avariam em qualquer parte do
circuito e há sempre alguém que lhes mete uma caneca nas mãos e se coloca
depois a uma respeitosa distancia, porque aquilo não são homens: quem assim
desafia os elementos só pode ser um Deus...
Ambiente único
De resto, corridas aparte, todo o ambiente do TT é único.
Na parada de Douglas, os “ferry” entornam centenas, não, milhares de motos durante toda a quinzena. Motos cujos donos tiveram de marcar a viagem quase um ano antes para ali poderem estar.
A policia do Manx Constabulary é tolerante, fecha um olho a infracções menores, só não tolerando drogas ou condução embriagada.
Que o diga o José Amaro, Presidente do MC de Faro, cujos membros, entusiasmados pelo ambiente numa das visitas à Ilha, decidiram andar a acelerar na carrinha do clube para cima e para baixo da avenida principal... nus em pelo.
Entretanto foram mandados parar por um polícia, e já se viam em apuros...
O Agente olhou para dentro do veículo e sem pestanejar, disse:
“Já vi que são estrangeiros... é que nós aqui, temos de usar sempre o cinto de segurança - não se esqueçam!”
Parte do que torna o ambiente único advém do facto de que, por necessidade absoluta, os pilotos e equipas ficam alojados nos mesmos hotéis, e frequentam os mesmos restaurantes e pubs que toda a restante população flutuante da Ilha – que durante a quinzena do TT pode atingir as 42.000 pessoas.
Misturem-se com a turba num fim de tarde e poderão ver um dos Dunlop ou talvez Guy Martin ou Michael Rutter a saborear uma caneca rodeado de fans.
Os mais entusiastas da multidão, que vem deixar na Ilha, a cada ano e em média, mais de 30 milhões de libras esterlinas, passeiam pelo parque adjacente à recta da meta que dobra como “paddock” durante o festival, misturando-se por entre as tendas e furgões no meio da azáfama dos mecânicos e assistentes.Até há muito pouco tempo, a multidão de espectadores na enorme bancada defronte às boxes, era mantida informada por um quadro gigante actualizado manualmente... pelos escuteiros.
E mesmo fora da cidade há muito que ver: A roda gigante de Laxey, o motocross na pista de Jurby, ou um “tour” dos pubs e estalagens espalhadas ao longo das 200 curvas do circuito...
Nestas, além dos piloto, só circulam os "flying marshalls" - antigos pilotos que se deslocam em motos desportivas e mesmo com uma mochila de reanimação às costas, poderiam fazer uma volta quase a ritmo de corrida, a caminho de mais uma intervenção rápida.
Não há áreas VIP, nem sítios inacessíveis ao público- excepção feita, claro está, às zonas fechadas do circuito. Mesmo essas abrem no tradicional “Domingo Louco”, em que se pode fazer o circuito de moto (felizmente só numa direcção, a da corrida, mas mesmo assim, há sempre alguém que exagera e se mata).
Há 110 anos que as corridas se vêm realizando, tornando a Ilha de Man o primeiro e mais antigo sítio do Mundo onde se organizaram corridas de moto.
Tragicamente, também entre os pilotos inscritos, a perda de vidas não é incomum, estando a soma em mais de 250 ao longo desses 110 anos.
Perguntem a um deles porque o faz, face à possibilidade muito real de aí perder a vida, e a resposta, quase sempre, será a de que nunca se sentem tão vivos como quando estão a desafiar as leis da natureza com cada curva pode ser a última... e se pensa que a precisão necessária para guiar uma moto a quase 300 Km/h entre paredes de pedra é menor que a de uma pista, imagine pilotos a chegarem à boxe com musgo nos ombros devido a roçarem ligeiramente as paredes, em busca da melhor trajectória...
Este ano há 76 inscritos, sendo a esmagadora maioria naturais das ilhas britânicas, mas também um ou outro italiano ou alemão. As corridas, são 9, incluindo duas de sidecar, duas de Supersport e a SES TT Zero para motos eléctricas.
A partida é dada de 10 em 10 segundos, pela ordem expectável de rapidez, para que um piloto mais lento não atrapalhe outro mais rápido. Mesmo assim, os homens da frente podem esperar começar a dobrar pilotos mais lentos à terceira das 6 voltas de uma corrida como o "Senior TT" que fecha o evento.
Espera-se que em 2017 seja batida a volta recorde que regista uma média de 215.591km/h conquistada por Michael Dunlop, em 2016 com a duração de apenas 16 minutos e 54 segundos, para cumprir os 60,7km do traçado .
A paixão é partilhada por muitos, e enquanto ela existir, existirá o TT da Ilha de Man...
andardemoto.pt @ 30-5-2017 10:45:53 - Paulo Araújo
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